
A COVID-19 impôs-nos muitas mudanças e touxe-nos aprendizagens inesperadas. Ao longo dos últimos meses temos vivido num estado de medo de um novo inimigo. Mas, afinal que aprendizagens é que a pandemia nos trouxe? O estilo de vida a que estávamos habituados e a forma como nos relacionamos foram alteradas, de maneira abrupta. Ensinou-nos a priorizar a vida, de modo a podermos lidar com esta ameaça. Invisível a olho nu, é representada como um símbolo de perigo de morte na nossa mente.
A humanidade foi ameaçada por um virus que ataca, sorrateira e indiscriminadamente, afectando a forma como damos sentido, física e emocionalmente, ao mundo. Mas, conforme referi num artigo anterior, não baixamos os braços!
O que estamos realmente a aprender com esta pandemia?
Creio que todos nós aprendemos lições muito significativas com esta pandemia, para nós e para as gerações vindouras. Consideremos, por exemplo, a forma como os espaços comerciais se reinventaram rapidamente. Os comerciantes adaptaram-se de forma célere para acolher com segurança os nossos novos eus potencialmente contagiosos. Determinara a forma como fazemos compras em termos de quantidade, frequência e com quem. Graças aos sinais visíveis e à vigilância cortês, fizeram com que nos tornássemos conscientes. Cientes de nós e dos outros, e de como cada um de nós ocupa o espaço agora, comparativamente com a forma como o fazíamos antes.
Mas, o que aprendemos realmente com esta experiência? Como percebemos e lidámos com a situação? Vale a pena reflectir sobre dois aspectos. A resiliência que desenvolvemos – a capacidade de adaptação a situações adversas; e a conscientização de humanidade comum – somos todos partes do mesmo todo.
Viver com o vírus ensinou-nos a valorizar o trabalho muitas vezes invisível, porém essencial, daqueles que estão a trabalhar por nós e para nós para que nada nos falte; a adquirir novas aptidões, forçando-nos a encontrar formas de trabalhar, de fazer compras, de aprender; novas maneiras de socializar, de rezar, de brincar e até mesmo de nos comportarmos e interagirmos uns com os outros.
Também nos ensinou que as crianças podem e devem ser incluidas nas tarefas domésticas. Isso dá-lhes um enorme senso de responsabilidade pelas suas acções. Muitas actividades, incluindo físicas, podem ser feitas em casa por via de meios digitais; ou que podemos reduzir as nossas deslocações, diminuindo assim o trânsito e a poluição.
Como estamos a lidar com a COVID-19 no pós-confinamento
Apesar de muitas mudanças e aprendizagens que podemos genuinamente considerar positivas, a nossa realidade mudou irremediavelmente.
Segundo o Forum Nacional de Psicologia “os efeitos da pandemia covid-19 serão múltiplos e profundos e as consequências para a saúde psicológica dos cidadãos ocuparão um lugar de destaque”. A verdade é que estamos agora a aprender a adaptar-nos ao distanciamento social em todas as áreas da vida. Logo, perpetuamos um medo persistente que ameaça sobreviver ao próprio vírus.
Quanto tempo vamos demorar a recuperar do distanciamento social em que temos vivido? Esta necessidade de salvar vidas que tem marcado as nossas mentes e os nossos corpos.
Será a nova normalidade vivermos num mundo onde os rostos estão escondidos da vista? Onde os sentidos são embotados por luvas de borracha e a possibilidade de contacto humano protegido por um vidro protector? Como é que os nossos corpos físicos irão lidar com isso? E como é que o nosso novo e frágil mundo – e mais higienizado – irá lidar com todos estes corpos?
Como vamos ultrapassar o medo de qualquer um de nós poder constituir uma ameaça?
Como vamos então lidar com a presença física de terceiros, quando formos encorajados a reconquistar os nossos espaços nos transportes públicos? E como será trabalhar nos escritórios em open space, em fábricas, estaleiros, aeroportos, salas de aula, de espetáculos ou centros comerciais? Há uma questão que paira, à medida que a distância de segurança de dois metros se vai encutando, lentamente. Como vamos ultrapassar esta nova encarnação física do medo – o facto de qualquer pessoa, incluindo nós próprios, poder constituir uma ameaça.
A forma como ocupamos (os nossos corpos) o espaço influencia directamente a forma como agimos e pensamos.
Apesar de tipicamente darmos primazia à mente sobre o corpo, é evidente que as lições aprendidas com e através do corpo são duradouras. Basta pensarmos, por exemplo, no impacto social e psicológico duradouro da segregação dos espaços com base na raça ou na classe social.
A forma como utilizamos o espaço afecta-nos emocional, social, cultural e economicamente
A forma como utilizamos o espaço – a nossa proximidade, a nossa distância e as fronteiras que criamos entre nós – afecta-nos emocional, social, cultural e economicamente. Agora estamos a testemunhar a forma como os nossos corpos se ajustam e aprendem a lidar com um novo mundo moldado por uma pandemia.
O medo dos corpos dos outros não é inédito e a humanidade tem uma longa e lamentável história de separatismo e segregação ou de apontar alguns como mais assustador
es ou perigosos do que outros, quer se trate de muçulmanos após o 11 de Setembro, de refugiados no processo de elaboração do referendo do Brexit ou da sistemática e contínua descriminação dos negros ou dos homosexuais.
O medo da COVID-19 pode tornar-se intrinsecamente visceral, firmemente enraizado na nossa memória física, tornando o nosso medo recém-adquirido uns dos outros ainda mais difícil de eliminar. Todavia, a natureza universal da COVID-19 torna os corpos praticamente indistinguíveis uns dos outros, tornando-nos a todos simultaneamente vulneráveis e perigosos. Este facto pode ser encorajador!
Renegociar o espaço pessoal será a nova normalidade?
A COVID-19 pode ser encarada como um grande nivelador, encorajando-nos a reconhecer a nossa própria vulnerabilidade e a dos outros. Só assim podemos combater o vírus como uma frente unida e igualitária. Já se perderam imensas vidas e continuam a perder-se, diariamente, em todo o mundo. Cada um de nós só estará a salvo quando todos estiverem a salvo. A vida, pós-COVID-19, pode tornar-nos mais responsáveis e mais conscientes do impacto das nossas acções sobre o ambiente, a economia e uns nos outros, social, física e emocionalmente.
<p>Quando começarmos realmente a libertar-nos dos nossos casulos de confinamento, a noção de um regresso à “normalidade” será simultaneamente uma impossibilidade e uma oportunidade perdida. Todos nós saímos perdedores e ganhadores desta pandemia. Mas
<p>as perdas são mais significativas para uns do que para outros.
Quem são os heróis deste marco na história da humanidade?
Quem entretanto perdeu os seus entes queridos, enfrenta agora um processo de luto marcado pela impossibilidade do último adeus. Algumas feridas que se criaram ao longo destes meses irão demorar a cicatrizar. Mas, sobreviver a uma pandemia global, tanto física como emocionalmente, é a cicatriz que devemos usar com orgulho. Pois revela a ferida que tanto nos curou como nos moldou.
Foram e continuam a ser inúmeros os que colocaram o bem-estar dos outros à frente do seu. Até mesmo da sua saúde, física e mental. São muitos os heróis e heroínas que ficarão ligados a este marco na história da humanidade. Esta tem sido uma oportunidade única para todos, sem excepção, nos tornarmos melhores seres humanos. Acredito que os verdadeiros ícones serão os que ressignificarem as suas experiências dolorosas e crescerem a partir delas, dando um novo sentido à sua vida!
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