A negação tem má reputação, mas ela desempenha um papel crucial no processo de luto ou em situações dolorosas. Precisamos dela para prevenir que sejamos derrubados pelos golpes baixos da realidade das nossas vidas e para entorpecer a dor da verificação das nossas perdas. Qual bálsamo anestésico, numa situação de luto, a negação segura as nossas mãos, fica cara a cara connosco e faz-nos voltar as costas à nossa dor dizendo: “Não olhes para lá, olha para mim”.
A negação tem um papel protector, quando a realidade é demasiado avassaladora para ser assimilada pelo coração. A mente recebe informação organiza-a em factos e registos sonoros, faz listas de prós e contras, e guarda nos arquivos próprios. Para muitos, a experiência da perda não se limita apenas ao desaparecimento físico de uma pessoa próxima. O luto também é vivido na perda de um emprego, de uma relação, de uma vida que fora planeada.
As cenas das nossas vidas são esboçadas como se fossem desenhos de ligar por números para assinalar imagens decifráveis. Mas alguns factos são demasiado avassaladores para serem retidos, demasiado terríveis para serem apreendidos, demasiado desoladores para serem aceites.
O coração não acredita em tudo o que a mente lhe diz
A mente sabe porque estava lá, ouviu as palavras que foram ditas, mas o coração recusa-se a acreditar. Ela até pode saber porque testemunhou o que aconteceu, mas o coração, pelo menos no início, não acredita em tudo o que a mente lhe diz. A mente tenta fazer chegar a informação, mas o coração bloqueia-a e diz à mente: “Pára, isso não pode ser!” Nestas situações, a negação pode ser o mediador.
A nossa mente vê, assimila e até pode saber que a situação é má, que o nosso ente querido está a morrer, que pode não haver opções razoáveis, mas a negação sabe que são demasiadas coisas para o coração suportar tudo ao mesmo tempo. O luto, apesar de ser um processo natural da existência humana, é demasiado duro para aceitar e excessivamente doloroso de assimilar. É uma crise que desorganiza a vida e provoca grande desequilíbrio nas rotinas diárias. Assim, a negação passa a mensagem da mente para o coração em pequenas doses. Gentilmente, a realidade da situação vai sendo revelada devagar, pouco a pouco, tornando-se cada vez mais clara para o coração. E mesmo que a negação abrande a transmissão da mensagem e modere a sua descarga, mesmo assim pode parecer devastador para o coração.
Eventualmente, a mente e o coração encontram-se e sentam-se juntos a chorar
Com o tempo, ela desloca-se. Ainda a segurar as nossas mãos, move-se um pouco para que tenhamos vislumbres dos destroços das nossas vidas, dos nossos sonhos desfeitos. Uma fracção de cada vez que, mesmo assim, parece demasiado, dói muito. A negação continua a sair da nossa linha de visão por períodos cada vez mais longos à medida que absorvemos cada vez mais os factos que as nossas mentes têm de mostrar aos nossos corações. Eventualmente, a negação mantém-se de mãos dadas ao nosso lado enquanto olhamos para o que perdemos. E, a dado momento apercebemo-nos que a nossa mão está vazia e que a negação desapareceu. A nossa mente e o nosso coração estão sentados juntos a chorar.
A mente e o coração compõem uma história
A vida não pára depois de uma perda ou de um acontecimento catastrófico. E nós também não paramos de crescer e de nos desenvolver enquanto pessoas. Juntos, a mente e o coração compõem uma história e procuram obter o maior sentido possível do que, inicialmente, parece inconcebível. A história é um misto de factos e crenças. Por vezes as nossas histórias têm tantas versões quantas as que são recontadas, porque as emoções são indissociáveis das narrativas e o trilho da mente para o coração é estreito.
Se houvesse uma ligação directa da mente ao coração talvez a vida fosse mais simples. Talvez a vida fizesse mais sentido, mas por qualquer razão que desconheço, simplesmente não é assim. Após a perda percorremos um longo caminho com muitas curvas, contracurvas e obstáculos, até chegarmos àquele pequeno reduto chamado aceitação. Chegamos lá de braço dado com a mente e o coração. Aí, a negação mantém-se à distância (se a vemos de todo), à medida que damos o primeiro passo hesitante na sua direcção.
Aceitação da perda
Por vezes ficamos com um pé dentro e outro fora. Mesmo quando tentamos sentar-nos com a dor, no início, podemos não conseguir. E pode demorar algum tempo até percebermos que é correcto sentarmo-nos com ela. Com o coração pesado e a mente agoniada, acabamos por nos ajustar. A vida não é estática, e como tal, irão acontecer sempre situações que fogem ao nosso controle.
As perdas são uma circunstância da vida e, com o passar do tempo, elas vão-se somando. Se tivermos a sorte de viver muito tempo, faremos esta jornada várias vezes. Esse caminho virá a se tornar conhecido e, embora possamos tornar-nos viajantes mais experientes e mais sábios, nunca será uma jornada sem dor. Felizmente, a mente, o coração e a negação impedir-nos-ão de caminhar sempre sozinhos.
A aceitação é um meio de alcançar a paz de espirito suficiente para perspectivar um caminho. Por isso, foque-se no amor, o caminho faz-se caminhando.
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