Desde há alguns anos a esta parte, a palavra de ordem é POSITIVO. Ouvimos a toda a hora que é preciso “ser positivo”, “pensar positivo” ou “sorrir mais”, (eu própria já tenho um pouco esse hábito), como se isso fosse assim tão fácil ou até como se fosse errado sentir emoções negativas.
Segundo o psicólogo Todd Kashdan é justamente a busca desenfreada pela felicidade que pode estar a tornar-nos psicologicamente mais frágeis.
No seu livro, “The Upside of Your Dark Side: Why Being Your Whole Self — Not Just Your ‘Good’ Self — Drives Success And Fulfillment”, em co-autoria com Robert Biswas-Diener, Kashdan defende o valor das emoções negativas.
Kashdan considera que a procura desenfreada da felicidade anda de mãos dadas com uma forte tendência pela busca do bem-estar, evitando qualquer tipo de desconforto, e isso, argumenta, está a enfraquecer-nos psicologicamente.
Porquê? Porque as emoções negativas são um recurso psicológico natural muito importante. Pois é, a negatividade pode ajudá-lo a construir uma versão mais resiliente e eficaz de si mesmo e, consequentemente, uma vida mais feliz e satisfatória.
Eu não estou a defender que ser negativo é melhor do que ser positivo, mas há momentos em que é necessário sentirmos as emoções negativas e, permitirmo-nos alguma negatividade pode ajudar-nos a alcançar melhores resultados na vida, no trabalho, nos relacionamentos, etc.
O segredo é praticar a “agilidade emocional” que nos permita reconhecer as emoções apropriadas (positivas ou negativas) para qualquer situação em que nos encontremos, e desenvolver a habilidade de restabelecer o equilíbrio entre emoções positivas e negativas.
É claro que as emoções positivas geram uma sensação mais prazerosa, mas isso não significa que devemos estar sempre em estados mentais positivos, pois a vida é pautada por desafios e perdas inevitáveis, e a dor precisa ser reconhecida, aceite e sentida para ser devidamente elaborada.
Eis alguns bons motivos pelos quais devemos permitir-nos a negatividade:
As emoções negativas são naturais
Como seres humanos, sentirmo-nos tristes, zangados, ansiosos, stressados e com medo é uma consequência natural dos acontecimentos do dia-a-dia, e isso é perfeitamente aceitável.
Quando reprimimos as emoções negativas, estamos a negar-nos um estado emocional muito natural. Estamos a dizer a nós próprios que não podemos sentir-nos tristes, ansiosos, stressados ou com medo quando tudo em nós nos pede desesperadamente para libertarmos essas emoções, reconhecermos e expressarmos esses sentimentos.
Se nos forçamos sempre a sorrir quando tudo o que mais queremos fazer é chorar, estamos a maltratar-nos psicologicamente, e isso, a longo prazo, terá um impacto devastador no nosso bem-estar psicológico.
2. A ansiedade é impulsionadora
Em situações de perigo a ansiedade fala mais alto que a positividade e ajuda-nos a encontrar soluções para os problemas. Em situações de crise, as pessoas ansiosas encontram soluções rapidamente e, quando inseridas num grupo (amigos, família, colegas de trabalho), partilham os problemas e as soluções. Os grupos são mais bem-sucedidos quando incluem vários tipos de personalidade, nomeadamente uma sentinela ansiosa.
O medo deixa-nos mais alerta
As emoções negativas existem por um motivo. Elas protegem-nos, tornam-nos conscientes dos perigos e informam-nos que há algo errado no nosso ambiente ou em nós.
O medo, por exemplo, ajuda-nos a reagir ao perigo, torna-nos mais conscientes das potenciais ameaças à nossa volta.
Com efeito, é bom ser despreocupado, mas, as emoções positivas podem tornar-nos mais indiferentes, demasiado relaxados ou excessivamente confiantes e, se isso implica menos atenção aos riscos, menos consciência dos perigos, o que também representa uma ameaça e tem impacto negativo tanto em nós como naqueles que nos rodeiam.
O desconforto é um motivador
Ninguém muda porque se sente bem. As emoções são métricas psicológicas do nosso bem-estar e dizem-nos quando estamos mais ou menos felizes. Nós só mudamos quando sentimos que há algo errado na nossa vida que nos deixa infelizes e não suportamos mais.
As emoções negativas são geradoras de mudanças positivas porque nos levam a agir quando estamos insatisfeitos com algo ou com o rumo das nossas vidas. Assim, é importante ouvi-las logo que começamos a senti-las, regular a sua intensidade e começar a agir de maneira mais saudável em relação às mudanças que desejamos implementar nas nossas vidas.
O sentimento de culpa torna-nos pessoas melhores.
O sentimento de culpa fortalece o nossa carácter e fibra moral, motiva-nos a ser cidadãos socialmente mais sensíveis e conscientes do que seríamos de outro modo. A pesquisa demonstrou que, os adultos que tendem a sentir culpa são menos susceptíveis a conduzir embriagados, consumir drogas ilícitas, roubar ou agredir outra pessoa. Se o carácter se reflete no que fazemos quando ninguém está a ver, então a culpa é uma das emoções morais básicas que estão na base de sustentação da construção do carácter.
Duvidar de si mesmo fortalece seu desempenho.
Algo que muitos não compreendem é o facto de que a dúvida, em doses moderadas, exerce uma função salutar. A dúvida é um estado psicológico que nos leva a fazer uma autoavaliação das nossas habilidades e nos impulsiona a melhorar em áreas onde podemos ser insuficientes.
A dúvida pode ser benéfica, porque, quando nos sentimos inseguros quanto ao desempenho, esses sentimentos incentivam a colaboração com os outros, fomentam a reflexão pessoal, motivam o desenvolvimento pessoal e preparam a pessoa para aceitar mudanças.
Em conclusão, as emoções negativas, quando adequadas às circunstâncias, são úteis e devem ser encaradas como tal.
Volto a sublinhar, não estou a desvalorizar o optimismo, antes pelo contrário. Contudo, é importante reconhecermos que somos seres humanos e que, como tal, sentimos emoções positivas e negativas, e isso é perfeitamente natural. A chave para uma vida plena é saber quando e como usar as nossas emoções adequadamente, a fim de construirmos versões mais autênticas e argutas de nós mesmos e vivermos vidas mais plenas e satisfatórias.
Maria do Céu da Silva Arsénio dos S. Balé
Como é bom perceber/saber interpretar tantos sentimentos que nos atormentam
… afinal não estou assim tão desenquadrada ! Gostei muito mesmo !
Ana Paula Vieira
Cara Céu, grata pelo seu comentário. Claro que está perfeitamente enquadrada. O importante é sabermos identificar as emoções, aceitá-las em vez de reprimí-las, e lidar com elas de modo a vivermos em paz 🙂