A vida reserva-nos muitas surpresas, umas boas outras nem por isso. Quando a vida nos deita abaixo, quer o previssemos ou não, a sensação é sempre a mesma: ficamos sem chão. Não sabemos como curar a dor emocional.
Como recuperar quando a vida nos derruba?!
Nos momentos em que a vida nos derruba, muitas vezes, questionamo-nos: “Porquê a mim?” ou “Que mal fiz eu a Deus para merecer isto?”. Agimos como se Deus fosse um ente vingativo que nos castiga com crueldade e impiedade enquanto agonizamos.
Curar a dor emocional é difícil e, muitas vezes, nem sabemos como o fazer. Como nos podemos reerguer ou por onde começar…
Por outras palavras, apesar de todos podermos experienciar vivências semelhantes, a dor é sempre pessoal e nenhuma dor é igual.
Os clichés são mais nocivos do que reconfortantes
Independentemente da quantidade de experiências dolorosas que tenham tido, ou por muito bem-intencionadas que sejam as passoas que dizem: “Eu sei o que isso é”, a verdade é que não sabem. Com efeito, essas palavras de “consolo” até podem magoar, mais do que ajudar.
Primeiro, os conselhos ou frases feitas soam sempre vazias de sentido. Segundo, podem parecer insultuosas, quando alguém está em profundamente sofrimento. Concluindo, os clichés usuais que se dizem após uma perda, muitas vezes, são mais nocivos do que reconfortantes.
Na minha prática profissional, tenho apoiado muitas pessoas nos seus processos de cura emocional, algumas profundamente magoadas. Embora eu já ter vivenciado a minha “dose” generosa de perdas significativas. Não obstante conhecer bem o sofrimento emocional, o que tenho constatado é que, quando a vida nos derruba demoramos a nos reerguer. Curar a dor emocional custa mais do que parece, à primeira vista.
A dor emocional fere profundamente a nossa alma
A recuperação emocional requer criar espaço para que a dor possa ser expressada e o luto se faça. No meu e-book “Da dor ao Amor” falo em maior detalhe sobre isto. É esse espaço seguro que facilito às pessoas que apoio.
Quando clamam: “Porque é que isto me aconteceu?”, procuro fazê-las perceber e sentir que estou ali para elas, que reconheço a sua dor.
Para que a cura ocorra é necessário validar que a dor é legítima, natural e é normal que a pessoa se sinta daquela forma. A dor emocional fere profundamente a nossa alma. É devastador quando predemos alguém que amamos. Não há palavras que consolem ou confortem a dor avassaladora da perda. Tudo o que conforta é o apoio incondicional a quem está a experienciar esse sofrimento.
A História da Fernanda*
Quando eu conheci a Fernanda, ela tinha acabado de sofrer uma das piores perdas que podemos sofrer: a morte da sua bebé de 9 meses. A bebé morrera durante a sesta, no infantário, vítima do sindrome de morte súbita.
Durante as primeiras sessões individuais, ela sentava-se em frente a mim, altiva e estóica, como se não fosse nada com ela. Quando lhe perguntava como estava a lidar com a situação, respondia simplesmente: “As lágrimas não vão trazer a minha filha de volta”. Entretanto, ela retomara ao trabalho de recepcionista numa clínica, evitando encarar o seu sofrimento. No entanto, alimentava o ressentimento em relação às colegas que lhe mostravam fotos e filmes dos seus filhos pequenos.
Eu também perdi um filho
Numa sessão, quando lhe perguntei como estavam, o marido e a filha mais velha, a lidar com a perda, ela ficou sem palavras. Os seus olhos arregalaram-se. Enquanto lutava para engolir a sua dor e sufocar as lágrimas, começou a preparar-se para se levantar. Aí, olhei-a nos olhos e disse-lhe carinhosamente: “Eu também perdi um filho.”
No momento em que partilhei com ela que eu também perdera o meu filho primogénito e que, tal como ela, eu optara por ignorar o meu sofrimento… Quando lhe expliquei o quanto essa escolha dificultou o meu processo de luto. Que isso causou muito sofrimento desnecessário ao meu marido e à minha filha… Nesse momento as suas lágrimas começaram a caír em bica.
Criar espaço para a dor
De repente, a Fernanda deixou-se afundar novamente na cadeira e deixou sair as lágrimas. Então, caíu num longo e soluçante pranto, enquanto abria espaço à sua dor.
Nas semanas que se seguiram, ela chegava esperaçada às sessões. Lentamente, com a minha ajuda e apoio, começou a curar a sua dor emocional. Acima de tudo, ela percebeu que a melhor maneira de honrar a memória da sua filha era encontrar uma nova maneira de abraçar a vida.
O que fazer depois de ter o coração partido
Eu faço parte integrante daquele gupo de pessoas que têm o coração partido.
Após um ciclo de perdas múltiplas profundamente significativas, umas mais devastadoras do que outras, poder-se-ia dizer que me tornei especialista em dor.
Desde a perda do meu filho primogénito, passando pelos meus pais, duas perdas gestacionais, uma irmã e vários entes queridos, tenho grande experiência em sofrimento emocional. Todavia, o que aprendi após mais de 5 anos a apoiar pessoas no seu processo de cura emocional (e com as minhas próprias vivências) é que a recuperação é lenta, sofrida e desregrada.
Quando somos violentamente derrubados pela vida, quer seja devido a perdas, trauma ou burnout, a recuperação é sempre dolorosa. Não conseguimos retomar a vida facilmente. Até podemos ter o impulso de nos reerguermos e avançarmos, mas isso só agravará a situação.
Como apoiar o seu processo de cura emocional
Tal como acontece quando tropeçamos e caímos, se, por exemplo, fizermos uma lesão e a ignorarmos só agravamos a situação. A dor emocional, tal como qualquer dor física, exige igual atenção. Ela precisa de ser reconhecida e acolhida antes de podermos seguir em frente.
Já chorei muito sozinha, na rua, no escritório, no carro, no cemitério… outras vezes com amigos e familiares, às vezes com clientes. Tal como a maioria das pessoas, tentei esquivar-me à tristeza, mas, como acontece com todos, ela acabou por me encontrar.
A dor emocional é uma das certezas cruéis da vida, se nos permitirmos amar o sufuciente.
Foi Sigmund Freud quem primeiro trouxe à tona o conceito de trabalho de luto. Embora as tarefas específicas que Freud delineou tenham sido reconsideradas ao longo dos anos desde a publicação do seu livro “Luto e Melancolia” em 1917, a ideia de que o luto é proposital continua no século XXI. Há muita literatura que refere fases do luto, etapas do luto e até tarefas do luto.
As Quatro Tarefas do Luto de Worden
No final da década de 1990, James Worden, professor de psicologia, considerou que o trabalho de luto era orientado por tarefas. No seu artigo “Tarefas e Mediadores do Luto – Um Guia para o Profissional de Saúde Mental”, ele delineou as quatro tarefas seguintes:
1. Aceitar a realidade da perda.
2. Processar a dor do luto
3. A adaptação ao mundo sem o falecido
4. Encontrar uma ligação duradoura com a pessoa que se perdeu enquanto se empreende uma nova vida.
Segundo Worden, o trabalho que se desenvolve durante o processo de luto, irá atrair-nos para a obtenção de cada um desses objectivos. Isso irá ocorrer sem nenhuma ordem lógica, dado que, afinal de contas, todos somos diferentes e o caminho que percorremos na jornada de luto não é linear.
O luto é um processo de adaptação no qual nos movemos entre as actividades orientadas para a perda (o processamento da dor) e as actividades orientadas para a restauração (a adaptação à vida sem os nossos entes queridos), procurando criar novas conexões duradouras com quem perdemos.
Não há receitas mágicas para a curar a dor da perda
Quem está de luto flutua naturalmente entre a tristeza e a normalidade.
Embora não referisse as tarefas do luto, o famoso escritor francês Honoré de Balzac captou o valor do trabalho de luto quando disse: “Toda a felicidade depende da coragem e do trabalho”.
Com efeito, não há receitas mágicas para elaborar um processo de luto. Além disso, é realmente necessária coragem e trabalho duro para se adaptar com sucesso à perda de um ente querido ou de algo significativo na nossa vida. No entanto, é possível alcançá-lo.
Com apoio, compreensão, compaixão e coragem, é possível voltar a sorrir e viver uma vida com significado, como a Fernanda.
A dor da perda nunca é igual
Alguns anos depois de terminar a terapia de luto, a Fernanda telefonou-me para me contar as novidades acerca da sua vida. Ela deixara o emprego na clínica. Além disso, formara-se em terapia da fala e agora trabalhava numa escola para crianças com necessidades especiais.
Quando lhe perguntei como se sentia, respondeu simplesmente: “Eu ainda sinto muito a falta dela. No entanto, agora tenho tantos filhos para cuidar… Gosto de imaginar que a minha filha, onde quer que esteja, está muito orgulhosa da mãe que tem”.
A dor da perda nunca é igual. Percebi-o com as perdas pessoais profundas que sofri, mas também com as várias pessoas que tenho apoiado. Ou seja, para ser elaborada, para curar a dor emocional, ela precisa de ser sentida. Em conclusão, precisamos de, acima de tudo, atravessar a porta da dor, honrá-la, não fugir dela.
*(nome fictício para proteger a privacidade da cliente)
P.S. Se gostou deste artigo, e se gostaria de ler mais artigos sobre este tema, deixe um comentário ou envie-me um e-mail. Talvez tenha interesse num outro que escrevi sobre o luto em crianças e adolescentes. Também pode encontrar alguns recursos úteis para apoiar no seu processo de cura neste e-book
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